Ela me estendeu a mão.
Simples assim.
Não disse nada.
Não era necessário.
Na palma aberta
toda a ternura do mundo,
toda a culpa do mundo,
todo o mundo.

E em seu rosto —
ah, o rosto —
um sorriso tão bonito
que parecia ter sido esquecido ali
por distração,
mas que dizia
com a calma das mães:
“eu nunca deixei de te amar.”

E eu chorei tanto, meu Deus.
Como chorei.
As lágrimas lavaram até o que não devia:
as paranoias
(guardadas para mais tarde,
como louça suja na pia),
os medos
que só à noite se vestem de nome.

Então eu,
com os olhos de quem outrora viu o amor da vida
fechar a porta devagar sem pena,
aceitei.

E fui então consumido
por um pavor absurdo
de perder de novo
o que já foi perdido tantas outras vezes.

Como se ainda houvesse
um jeito
de remediar o irremediável.

E fui feliz.
Por um instante,
fui feliz com tanta força.

Mas o sonho apenas repete,
nas entrelinhas das imagens mau construídas,
aquilo que a vigília grita
com a boca fechada.

Acordei com a mão ainda erguida.
Ninguém a tocava.
A casa quieta.
Os barulhos de construção
me acordam com sono.

O quarto segue intacto.
O corpo também.
Exceto o coração,
que jaz ali, despedaçado,
como prato jogado
num chão de cozinha
que ninguém mais limpa.

– Painting: Um abraço clandestino, de Fritz Quidenus (1867-1928), A Clandestine Embrace.