O cotidiano é um desfile de monotonias,
exceto no ocasional dia
em que, ao avesso, vestimos terno
e gravata, e compramos um disco
de vinil — esquecendo
que não temos toca-disco.
Mas o vinil serve de decoração,
e então me lembro:
ela quis me dar um toca-disco
de coração — e eu recusei,
por pensar não merecê-lo.
Fui na contramão das novidades,
por puro merecimento.
E quando ela foi embora,
passei a sonhar com ela todos os dias
(e as noites também).
Fui sentir as saudades
que eu não sentia;
fui atrás de ser melhor
do que eu nunca fui.
E a vida foi passando,
e as novidades me desencontrando —
como costumam fazer
os bons costumes
da vida medíocre.
– O Homem de Cartas, de Moriz Jung (1885-1915).