Às vezes, Lua

I

Às vezes, Lua,
te olho nos olhos
e vejo meus vazios.

Às vezes, escureces.
E eu desapareço contigo.

Outras vezes,
brilhas no lugar
onde algo me faltava.

II

Às vezes, Lua se deita nos telhados
e em seus buracos ressoam ecos da minha infância.

Às vezes, Lua afia suas unhas no céu
e me arranha com memórias esquecidas.

Às vezes, Lua me bebe devagar
como veneno derramado no tempo.

E às vezes, apenas às vezes,
o rombo em meu peito pulsa ali,
suspenso, redondo,
feito olho do mundo
que se recusa a fechar.

III

Não te vejo, Lua.
Mas sei que estás.

Resides no céu escuro,
abóbada que abriga tantos sábios,
gênios e assassinos,
pais e mães, sobrinhos,
primos, amigos e inimigos
de todo mundo e de ninguém, ao mesmo tempo.

Tua ausência pesa
mais do que tua luz.
Mas és poder grifado nas leis da física,
sinal para as flores alçarem
o voo breve da existência,
antítese daquilo que se manifesta como fim.

No escuro,
sou todo ouvido
para o que não me dizes.

Em ti,
descanso o que não sei sentir,
assim como deves descansar
tuas lâminas refletivas
da labuta de iluminar as coisas
e os fulanos.

Lua Nova, de novo te pões a trabalhar?
Pra quê?
E por que danças tua posição no céu?

Não por imprevisibilidade.
És produto
do estudo dos astrônomos do passado.

Não por vontade.
Nenhum de nós opera por vontade.
Alguns de nós, como tu,
se ausentam da vida.

Deixemos as perguntas para os bêbados e os filósofos.
Vai e descansa, Lua Nova,
que és proletária como nós
e se não trabalhas,
morre de fome.