Calendário das Monotonias
Ontem, por descuido, olhei o calendário.
Era um bloco de dias repetidos,
uma sequência burocrática de tédios —
com exceção daquelas datas marcadas
a lápis de saudade:
nossos aniversários mensais.
Comemorávamos como quem celebra um milagre proibido:
adoração pecaminosa,
crime hediondo contra o primeiro mandamento.
Depois, foi se tornando um rito,
um acordo tácito contra o silêncio.
Por fim, virou só uma cara torta de lembrança,
meio bêbada, meio febril.
Buscávamos, naquelas datas,
um vestígio do que um dia fomos —
ou imaginamos ter sido.
Mas ontem, repito, olhei o calendário.
E não vi mais nada.
Nem você, nem datas, nem nós.
Vi rabiscos do dia em que plantei girassóis
(como se flores pudessem me salvar).
Vi notas de rodapé para dias santos
e lembretes sobre contas vencidas.
Mas o que mais vi foi branco,
um branco enorme, oco,
que me encarava com a frieza de quem diz
que tenho uma preguiça enorme de viver.
Esse calendário cheio de pequenas inutilidades
espelha minha vida com uma precisão quase poética.
Então, decidi mudá-lo.
Li nos grimórios de autoajuda — esses folhetins de esperança enlatada —
que reorganizar os dias é um bom começo.
Mas, cá entre nós,
só aprendi que cheguei aos sessenta quando ainda tinha quinze.
Com a sabedoria, se é que assim se chama,
de quem existe há menos de cinco minutos.
E quando penso na estrada que ainda falta,
com seus quilômetros de repetições e protocolos,
me dá uma vontade danada
não de viver,
mas de parar num acostamento qualquer
e desaparecer no mato como um bicho cansado.
– Créditos da Pintura: “O Quarto da Varanda” de Adolph Menzel, 1845.