Prezada assassina,
fui por ti sentenciado à uma morte
que durará os próximos quarenta anos
ou menos. Por isso, fui tomado
de uma raiva incontrolável
e quis antecipar todo o sofrimento
no momento que acabou de passar.
Escrevi versos tomado de um ódio
ininterrupto pela sua existência,
mas nem ao ódio eu me presto,
e por isso, desejei a ti
muito menos que o meu tormento.
Pelo contrário, agora me vejo pleno
à frente da minha sentença
desproporcionada, mas a ti
desejo que sejas sentenciada
a um destino diferente do meu
pois vou partir dessa forma física,
cedo ou tarde, e morrerão comigo
as canções que nunca cantei
e também aquelas que cantei
para você. Então, que sua sentença
seja leve, e não tanto pecaminosa
quanto a minha, pois sua mão
me destinou ao fracasso absoluto,
e isso não desejo a ti. Quero que
suas manhãs não sejam rompidas
por um sopro inabalável de tristeza,
nem que seus sonhos sejam surrupiados
por uma sequência predefinida de pesadelos
e sofrimentos. E que nos seus dias mais felizes
você não tenha um anseio infeliz de contar para mim
que és feliz. Que o silêncio não a sufoque.
E que seus amores sejam amores verdadeiros.
E que suas bençãos sejam fiéis
ao mais elevado louvor divino.
E que sua família nunca chore o corpo morto,
diferente assim da minha.
E que em vida faça obras e seja inesquecível
assim como foi para mim.
E que o tempo lhe prove que estivestes sempre certa.
E que fui um acidente.
E que os erros programáticos do universo não me repitam.
Amém.
Pintura: O Fantasma da Água, de Alfred Kubin (1877-1959).