Depois que ela voou, ficou o jardim.
Ficou como ficam as coisas que foram vistas demais:
quieto,
envolto por uma espécie de cansaço.

O chão guarda vestígios de passos leves,
mas não pede mais caminho.
As raízes adormecem sob a terra,
e o ar, ao redor,
parece conter uma memória submissa.

Eu fiquei junto.
Ou talvez fui ficando
com as horas que escorrem do gesto interrompido.

Ela se foi
como o voo que não se repete,
mas deixa no espaço
a lembrança de ter sido possível.

O peso chegou devagar,
foi se acomodando nos ombros,
como o tempo quando não se mede mais.

Ali onde nasceu o girassol,
a terra abriga um silêncio amarelo.
Há algo de luz ainda
no modo como as folhas repousam.

O corpo caminha entre formas
que nunca precisaram existir.
Dirige palavras que não esperam escuta.
Há uma prece que se dobra sozinha
no meio da frase.

O nome persiste —
e isso basta.

O poema tocou onde era pele aberta.
Fez morada.
Permanece na carne,
mesmo que os olhos não o tenham recolhido.

Talvez tenha sido lido,
ou apenas tocado pelo vento.
Mas o que se entrega
não pede confirmação.

O jardim se alinha ao tempo.
As pétalas que caem
fazem parte de uma dança
sem plateia.

Nada aqui espera milagre.
A beleza cumpriu seu ciclo
no instante em que foi inteira.

Nenhuma asa retorna,
mas há no ar
uma vibração de voo antigo.

Ficou o gesto,
mesmo que ninguém o tenha visto.
Ficou o brilho,
mesmo que não tenha chegado ao destino.

E eu, que abrigava essa presença,
sou agora espaço aberto,
recolhido em si.

E eu, que dizia em versos,
sou o intervalo entre sons.

E eu, que fui jardim,
sou matéria leve,
carregada pelo próprio fôlego.

Permaneço.
No sonho que ainda se move,
na espera que não exige forma,
sabendo —
sabendo sem ferida —
que houve voo.

E isso existe.