Fatias
Quando a próxima mulher se sentar ao meu lado
e, entre um gole e outro, quiser saber se sou romântico,
responderei:
“Sou? Não. Fui!”
Responderei não por amargura.
A mim cabe pouco o direito de ser amargo.
Embora sou.
Mas porque o que havia, dei.
Dei sem medida, sem cautela, sem plano de contingência.
Amor, pensei, era coisa para ser entregue inteiro,
feito pão recém-saído do forno:
você reparte com quem tem fome,
e você come, e peca em glutonia
e só mais tarde,
no fim do terceiro dia sem comer,
percebe que também sente fome.
À essa nova, à essa qualquer, nada restou.
Nem uma migalha vellha no prato.
Pobrezinha — chegou depois da comilança,
quando já se varria o chão
dos restos de nós dois.
Pobrezinha, veja bem.
Ninguém me disse que amor era coisa de racionar.
Uma fatia hoje, outra amanhã,
guardar um pouco aqui, ali,
caso o inverno chegasse antes do previsto.
Mas se ficar, pobrezinha, há de me servir à filosofia.
Diga-me: por que, à ela, dei tudo
e mesmo assim
disse-me que passava fome?