A vida é um desfile de monotonias
mundanas, muito mundanas.
As plantas que plantamos
não nascem, e por isso
não morrem. E portanto,
ficamos entediados
olhando a terra fofa,
pensando se cabemos ali,
a sete palmos da superfície.
Se é ali que merecemos estar.
Se há outro lugar
para chamar de lar.
Se aqui é o nosso lar.
Se lá, no céu, existe um lar.
E se não houver lá
um tal de lar,
para onde vamos olhar?

Mas até nas vidas mais
mundanas, as coisas mudam.
Os amores vêm,
chacoalham a fábrica da existência,
e depois vão embora.
Nos deixam tão tristonhos…
Mas depois esquecemos,
e amamos de novo,
e amamos a mesma pessoa,
e depois outra pessoa,
e depois Fernando Pessoa
mas nunca a nós mesmos.
Nós mesmos ficamos
entediados, até que
o primeiro girassol
rompe o chão,
aquela oferta de emprego vem,
e pensamos em
pagar as contas,
em comprar uma calça nova,
em dar dinheiro aos familiares…
Depois lembramos
que odiamos nossos familiares,
então procuramos um novo amor
para gastar aquele dinheiro.
Mas o trabalho custa caro:
vai-se as costas
e o entusiasmo.
Logo, não fazemos mais amor.
E casamos, desesperados
para amar.

Mas amar o quê?

– Pintura: Strøget (A Rua Principal, Copenhagen), circa 1941. De Harald Engman.