Descobertas se fazem a cada aurora.
Algumas nos reinventam,
como se um deus apócrifo nos redesenhasse a alma.
Vemo-las — as manhãs solares de Pequim —
e noutras ocasiões, tão discretas quanto a morte,
encontramos a surdina dos silêncios extintos:
os cemitérios das coisas e seus objetos órfãos,
pertences que já não pertencem a ninguém.
Mas a quem cabem, afinal?
Quem detém a posse do que já não tem dono?
Onde jaz o proprietário do esquecimento?
Descobri que envelheci
no exato instante em que cessei de ver nas nuvens
naves bélicas oriundas das galáxias mais remotas.
Já não me surgem os heróis celestes,
nem o confronto cósmico contra o mal invisível.
A infância, essa metáfora absoluta, findou.
Resta-me o céu,
as nuvens —
e o mutismo com que deslizam.
Hoje, vejo apenas nuvens.
Não perderam a formosura, não me compete julgá-las.
Vejo, sim, o tempo —
o vento a empurrá-las como ideias em desuso,
e nada mais.
São isso, e nada mais.
E o que nos resta, se tudo é isso, e nada mais?
O mundo permanece belo.
Mas eu, envelhecido,
incomoda-me saber que ele sobreviverá à minha ausência.
Sou apenas um instante —
e às vezes pergunto se o mundo
também se inquieta perante o vácuo cósmico,
se ele próprio, mundo,
não se sente por vezes uma dúvida girante.
E talvez o universo
também se intua minúsculo,
submisso à pluralidade de outros universos,
ou tema, como nós, a finitude,
a cessação do ser, o declínio.
Talvez nada se extinga.
Talvez tudo retome o seu curso,
em ciclos que não compreendemos.
E eu, partícula consciente,
devo então buscar meu recomeço?
Mas hoje sou velho.
As nuvens são meramente nuvens.
O amor já não é amor,
é um sistema neuroquímico que nos engana.
E as aves no céu continuam seu bailado,
e o vento as conduz,
e a vida prossegue,
e os universos
desabam dentro de cada um de nós.
– Painting: Créditos e direitos de Kevin Kia