Devaneio
Em devaneio, percebo que estou morrendo.
Percebo que me tratam como um doente.
Que me veem como um castigado,
e há uma aura triste pairando sobre meu corpo feio.
Olhares lamentam minhas imperfeições.
O espelho, envergonhado, reluta em me refletir.
Meu corpo dá sinais de não querer mais existir.
E eu estou morrendo.
Ouço a música castigar meus ouvidos fracos.
Vejo os outros dançando com espantosa alegria
enquanto me reduzo à dança de um ritmo fúnebre,
marchando, malfadado, ao destino do meu caixão.
Pintam meu retrato com tinta de sangue,
esmigalham esperanças com minúcia perversa,
transformando a pintura da minha vida
na cena brutal de um crime por vingança.
Eu estou morrendo, mas não queria morrer.
Estou querendo, mas não devia querer.
Estou chorando, quando devia morrer.
Ainda mais agora, prestes a dormir.
Pouco valerá tudo que ainda quero.
Pouco valerá tudo que já perdi.
Pouco me adianta essa esperança
se, como sonhos de criança,
ela é tirada de mim.
Mãe, essa cama é tão fria,
ecoa minha respiração de modo sinistro
e anuncia minha companhia:
vermes e parasitas.
Deita comigo, mãe.
Não me deixe chorando sozinho.
Estou morrendo, mas tenho medo.
Medo de perceber que podia ter vivido,
e que agora é tarde demais.
Que não morri
mas me matei.
Deita comigo, minha amiga,
minha amada morte.
Ignora a carne cinza que me sustenta
e aquece-me com teu beijo doce.
Faz-me dormir.
Mas dorme comigo.
Vivi tão sozinho, morte.
Tentei tanto amar.
Mas meu amor é pior que tua vinda.
Flertei com almas tão belas
que te desejaram mais do que a mim.
Então flerto contigo e suplico:
seduz-me e leva-me ao nada.
Ou espera-me — que a ti irei de encontro,
arrastando estas pernas fracas
que não sustentam nem o peso das lágrimas,
nem o peso da dor.
Entra, fecha a porta, amor.
Ignora a caricatura da derrota,
o tolo sem razão.
Apenas contempla tua maior obra.
Liberta-me, morte.
Estou pronto para partir.
Faz, pelos teus meios,
o ato mais belo que o mundo já viu.
E a porta se fecha.
Mas nem tu, morte,
deitaste comigo.