Vai.
Te peço isso com tudo o que ainda pulsa em mim:
Vai.

Apaga tua imagem das fotografias
que minha memória insiste em revelar
todas as noites, sem minha permissão.

Desfaz tua voz
das frases que repito
sem querer.

Arranca tua presença
dos sonhos onde chegas
como se nunca tivesses ido embora.

Some da sinapse.
Desfaz teu nome da língua.
Sai do cheiro das manhãs
e do susto das tardes sem sentido.

Te imploro em desespero:
Vai.

Não quero mais tuas migalhas oníricas,
tua mão estendida,
tua ternura tardia,
tua saudade performática.

Me deixa viver sem tua assombração.
Te exorcizo em poema.
Te rasgo em verso.
Te queimo no olho fechado
de cada madrugada.

Vai. Leva teus cabelos escuros,
e tuas bochechas rosadas
e teus olhos puxados
e tuas esperanças, tuas inteligências,
teus trejeitos e teus lamentos
e vai.

Vai.
Leva teu nome em duas línguas,
e leva também tuas mentiras
e tuas idealizações porcas de mim.

Leva sua infantilidade,
leva seu ódio mirim de mim,
suas leituras conturbadas da realidade
e tuas passarelas de cetim.

Vai. Dois, três anos ao passado
e me esquece lá,
finge que não existo.

Vai. E me deixa viver as outras vidas
que me eram de direito
e vá viver as tuas outras,
melhores vidas.

Vai.
Leva contigo até o que era bom.
E some.

– Painting: Luto, por Gaetano Chierici (1838-1920).