Tenho rancor da ideia
de que o amor é fase de ensinamento —
é o pulo da primeira para a segunda série.
Num amor, aprende-se o ABC,
noutro, álgebra linear.
Detesto a qualidade que isso confere ao amor:
de transitório, de aprendizado, de leveza.
O amor dói.
O amor não ensina nada.
O amor é desaprendizado por completo.
É a inegável limitação da psique humana.
Com meu amor, não aprendi nada.
Não o levo nem levo conhecimento a outra.
De todos os meus erros, deveria eu retirar ensinamentos?
Nunca! Vou esquecê-la,
vou torná-la um borrão
turvo de esquecimento.
Vou provar ao mundo que do amor não se tira nada
senão a essência própria da autonomia.
Amor é a morte da alegria.
É carnal, desnecessário
e inteiramente fraudulento.
Não aprendi nada, absolutamente nada
com o meu amor. E nem olharei para o passado com o ar da sabedoria.
A mim, nem a ela, nem a ninguém cabe nos concebermos em sabedoria.
Nos cabe somente o arrependimento, os anos perdidos que não voltam mais,
a vontade de voltar ao passado e fazer tudo de novo e tudo diferente,
e socar o chão em raiva da impotência com a qual o tempo nos castiga.
Celebremos o erro! Meu “amor”! Meus “amigos”!
Celebremos nossa incompetência em fazer da única vida
uma beleza.
E por isso nos escondemos nas grutas de Santa Maria
e pedimos por outras vidas, e acreditamos em reencarnação!
Mas reencarnaremos todos como insetos, se reencarnarmos.
Mas iremos todos ao inferno, se há salvação.
E vamos beber doses cavalares de álcool,
e vamos chorar nas sarjetas do esquecimento,
e vamos, então, nos sentir vivos!
E que me venham com lições de amor,
com parábolas de almas gêmeas,
com manuais de superação.
Que eu os rasgo com a língua,
eu os queimo com a bile,
eu os calo com meu silêncio.
Porque do amor só herdei o vazio,
e um coração que se tranca por instinto
de animal que apanha e aprende a temer a violência.
Mas não, não digam que aprendi.
Eu não aprendi.
Eu fui mutilado.
Eu fui esquecido.
Eu fui desaprendido.
E do fundo onde me encontro,
brado aos céus e cuspo para cima:
não quero lição, nem redenção, nem poesia bonita.
Quero o direito de odiar sem que me curem,
quero o direito de não perdoar,
de não encontrar sentido,
de não fazer disso, seja lá o que é isso,
um final edificante.
Pois há beleza também no que apodrece.
Há estética bizarra no erro,
há glória em fracassar com honestidade,
há pureza na raiva não domada,
há solenidade nos que se permitem a amar.
Vamos nos entender como o que finalmente somos.
Abraçaremos a insignificância do ato randômico
de juntar um punhado de átomos e nos criar
e nos soltar nesse universo finito em todos os seus eixos.
E seremos todos despedaçados pelas inconstâncias da vida.
E seremos todos esticados pela fábrica do espaço-tempos.
E seremos todos traídos pelos nossos amores, isso quando não trairmos.
E seremos todos esquecidos pelos outros e pelas coisas.
E seremos todos infelizes, malditos e infelizes.
E seremos todos erros deste universo.
E seremos todos.
E seremos.
Vamos, então, celebrar a vinda da paz, a morte,
a celebração da vida uma sequência de erros
evitáveis, inevitavelmente irreversíveis.