Envio este telegrama apócrifo,
não aos generais, estes que dormem em camas limpas,
nem aos presidentes, senadores e outros insignificantes
da nossa pátria amada e idolatadra,
mas aos últimos trapos humanos ainda em pé
neste exército cansado de existir.

“Aviso: a depressão
venceu as últimas duas batalhas.
Venceu sem honra, como sempre vencem
as coisas que nos matam de dentro.
Sem tanques, sem tiros, sem granadas,
apenas o peso de acordar mais uma manhã
sem motivo, sem propósito, sem café.

Há quem já perdeu as esperanças —
desertores de si mesmos,
covardes encostados no próprio corpo,
vagabundos de pensamento,
todos dignos da minha inveja!
Pois eu, infeliz dos que ainda pensam,
ainda grito nas trincheiras internas,
ainda tomo banho, ainda escrevo versos,
ainda me visto de gente todos os dias,
calço botas e marcho para o abate.

Oh, se ao menos fosse uma guerra visível!
Se ao menos sangrasse — se ao menos cheirasse a pólvora
em vez de cheirar a travesseiro molhado, em vez
de soar os roncos da barriga que come dia sim dia não.
Se ao menos houvesse um inimigo de farda,
um algoz de bigode e medalhas,
e não esta ausência impessoal
que me rói o ânimo pelas beiradas.

Mas aviso: ainda há guerra lá no front.
Ainda há mapas sobre a mesa improvisada
de árvores outrora vivas, hoje instrumento
de guerra e de destruição.
Ainda há planos, mas ninguém mais lê.
Ainda há poesia, essa última trincheira ridícula
onde finjo ter munição.

E talvez — quem sabe —
ainda haja uma madrugada onde se ouça,
vinda de longe,
a marcha descompassada
dos que continuam tentando."