Eu sinto tantas saudades dela, meu amigo…
Saudades do seu olhar,
dos olhos em formato de amêndoas,
dos cabelos pretos e dos fios
que eu recolhia todos os dias do chão do banheiro.
Saudades das bochechas redondinhas,
que eu observava de tão perto
até me perder em amores bobos.
Saudades de quando ela dizia 亲亲, 抱抱, 贴贴,
e me deixava mergulhar em um mar de outra língua,
outra cultura, outra vida.
Saudades de quando ela reclamava
que meu braço pesava antes de dormir.
Saudades de vê-la concentrada
e brindar sua inteligência
silenciosamente, só para mim mesmo.
Saudades de vê-la atravessar a rua,
de provar o nosso primeiro sorvete,
de segurar sua mão pela primeira vez
e de tudo o mais que as lágrimas
já não me permitem lembrar.
Que lamento!
Ela me rompe a fábrica da existência
quando menos preciso,
quando mais preciso,
quando já não sou nada,
e quando sou tudo.
Quando quero tudo,
e quando não quero absolutamente nada.
Ela é, sim, uma grande parasita.
E talvez eu tenha sido cruel o suficiente
ao entrar na vida dela.
Mas que crueldade maior é devolver-me tudo em triplo
a dor,
as saudades,
a tristeza.
– Painting: A morte do coveiro (1895) por Carlos Schwabe, pintor Suíço (1877-1926).