Sonhei contigo de novo.
É a vigésima vez
só nesse mês
(que passaram-se oito dias).

Dessa maldita vez,
estávamos num campo aberto,
cercados de guardanapos de linho,
acotovelados por copos de vidro fino
e pequenas porções
em tigelas de porcelana.

Ríamos.
Provávamos molhos exóticos
e ervas muito estranhas,
os pratos da China e do Brasil
de um outro universo.

Você me dizia:
“este tem gosto daquela vez
que você me magoou.”
E eu ria. Respondia
“coloque-o de lado,
e prove este do amor
de amanhã."
E, por um instante,
fui feliz.

Então veio a multidão.
Gente que não conheço.
Gente que não importa.
Gente demais.

E você foi levada.
Acotovelada pelos vultos da multidão
como alguém que nunca esteve ali presente.

Por quê?
Por que até os sonhos se rendem a ti?
Por que até no delírio meu cérebro te recria?
Por que não vais embora nem das sinapses?

Que ódio.
Que ódio de sonhar.
Que ódio de ti,
de tua permanência absurda.
De tua assinatura escondida
em cada esquina
do meu inconsciente.

Eu só queria dormir,
e não te encontrar nem no riso.
Nem no campo.
Nem no vinho.
Nem em nada.

– Painting: Jovem Garota Comendo um Pássaro, por Rene Magritte, circa 1927.