Há alguns meses, meu amor foi embora.
Não morreu, não adoeceu,
simplesmente desapareceu no horizonte.
Nem isso:
mora uns blocos acima do meu,
respira o mesmo ar que eu,
chora as mesmas lágrimas que eu.
Escreve a mesma poesia,
sonha os mesmos sonhos,
quis — quis mesmo — o mesmo amor que eu.
E nem isso:
foi embora aos pouquinhos,
respondendo aos meus desprezos mesquinhos,
às minhas doenças mentais
que envenenam o ato de amar.
Tragicômico:
minha única vez amando
acabou em ódio,
em uma poça de bile derramada
no calcanhar de vidas mal vividas.
Em pensamento, pra mim ela morreu,
como se isso resolvesse algo,
como se essa mentira burra, nojenta,
tivesse força pra desafiar
a culpa que é só minha.
Em arrependimento, rezo todos os dias:
a Deus, ao destino, a qualquer coisa,
ao meu vício em apostas:
se essa rosa crescer, ela volta pra mim.
Se essa comida não queimar, ela volta.
Se passar um carro branco…
ela volta.
E as rosas crescem,
a comida sai perfeita,
os carros passam,
as preces são ouvidas
mas ela não volta.
É tragicômico, mesmo:
amar o único amor que tive,
ser amado de volta,
e nem isso conseguir amar direito.
Vou então ler As Nuvens,
conceber-me um sofista qualquer,
argumentar que ela esteve errada o tempo todo.
E vou dormir.
E vou sonhar.
E ela estará lá,
sempre.
E um dia, vou morrer.
E essa tragicômica palhaçada morre comigo.